UM TESOURO ESCONDIDO NO CAMPO: Experimento com desenho e imaginação simbólica no Ateliê Nossa Casa
por Lucas Delfino
A linguagem da mitologia, dos contos, e dos grandes livros de sonho da humanidade constituem a linguagem do imaginário, consubstancial ao ser humano, e à criança em especial. O percurso de três encontros no Ateliê Nossa Casa, na semana final de outubro e nas duas primeiras de novembro de 2019, teve como título um versículo bíblico, que é também uma alusão, aquela que faz pensar em um “tesouro escondido em vasos de barro” (2 COR 4:7). Um vaso de barro, pois, cujo conteúdo esteve inacessível às crianças até o último encontro, fechado por uma amarração de fios de barbante, serviu como objeto de ativação de um percurso imaginativo, segundo a tentativa de fazer minar através dele questões e imagens: se um vaso pode conter tudo o que há no mundo, o que pode estar contido aqui? O intento foi o de conduzir à criança em vivências com técnicas e materiais expressivos de qualidade rústica – o carvão, o giz, a argila de modelagem – ao mesmo tempo em que se fazia um percurso, uma deambulação, por narrativas de origem e mitos de criação: a criação da humanidade e o roubo da semente do fogo por Prometeu, o desvelamento da condição humana desde o conteúdo dissipado no vaso de Pandora; a criação do mundo e do humano a partir do barro soprado na narrativa dos seis primeiros dias do Gênesis bíblico; a modelagem do humano por Oxalá a partir do empréstimo de barro cedido por Nanã, na mitologia dos orixás africanos. O ateliê também se pautou pela apreciação dos desenhos do quadrinista norte-americano Robert Crumb (1943- ) que em 2009 dedicou-se à elaboração do livro Gênesis, no qual se pôs a ilustrar o mais literalmente todo o conteúdo do primeiro livro da Bíblia. A deambulação por narrativas de criação esteve a amparar as crianças no enfrentamento de sua própria e singular força criadora diante dos materiais expressivos, e o ateliê culminou com uma vivência de modelagem em argila segundo o pressuposto de modelar a humanidade e as suas paixões, de acordo com a apreciação de um desenho do artista Rosso Fiorentino (1495-1540), que retrata Pandora abrindo o vaso de onde saem as mazelas humanas personificadas: a arrogância, a preguiça, o desespero, etc.
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